(2024) - Calendário 2024

A Poesia do Bordado e a Reinvenção do Viver


O mar, as
ondas, as tormentas, a calmaria. 
Assim como Ulisses, herói da Odisseia grega,
somos lançados rumo ao imprevisível, ao desconhecido. Entre temor e coragem,
faz-se a viagem, constrói-se o caminhar diante da fragilidade humana.
 



Acompanhar a
luta, o esforço e a perseverança de Ulisses,
personagem da Odisseia, cuja viagem é metáfora do desenvolvimento do ser
humano, possibilitou a nossas bordadeiras
narrarem, também, suas árduas travessias. Porque aprender-a-viver é que é o
viver, mesmo. (...) Travessia perigosa, mas é a da vida... ecoa-nos Guimarães
Rosa
.



Nessa viagem
imersiva, o tempo e o mar fluem ininterruptamente. Rumos, afetos e emoções
alternam-se num contínuo vai e vem,
parafraseando a própria vida. 
 



A Casa do
coração, lugar de acolhida, amplia-se em
redes de encontros, aprendizagem e mutualidade. Entre tormentas e calmarias, as
mães da ACTC - Casa do Coração realizam grandes descobertas em sua travessia,
no encontro consigo mesmas. Tecem suas histórias ao longo de suas odisseias.
Histórias de dor, de esperança e de espera.



Ah, o mar ... O
mar e sua força potencializadora também se faz presente na instituição. A
estampa forjada em metal na entrada convida-nos a
refletir sobre o fragmento do poema Mar português, de Fernando Pessoa.



Valeu a pena?
Tudo vale a pena?



Se a alma não é
pequena?
 



Quem quer
passar além do Bojador?
 



Tem que passar
além da dor.



É preciso
dominar o mar... é preciso vivenciar o desamparo e deparar-se com a finitude da
vida, para compreender seus infindáveis mistérios...



As mães, como o
herói Ulisses, vivem momentos solitários, diante do desejo ardente do regresso,
descobrindo sua pequenez, diante da implacável imprevisibilidade da existência
humana. Vivia de um estreitamento no peito: a vida?, nos confidencia
Clarice Lispector.



O tecer é forma
de escrita, passa pela criação de imagens, culmina na costura de si, por meio
da arte, do devaneio, do encontro com o outro.
 



E é no mar, com
acentuado azul e variadas tonalidades, que as mães bordam, com tramas
coloridas, o seu drama e o projetam ao mundo. Perdidos no azul, o sol acende o
mar, o vermelho matiza emoções e luzes iluminam as ausências e as despedidas.
 



Derramadas na
paisagem, pequenas embarcações, despontando no horizonte, ligam,
simbolicamente, a vida à finitude. Barcos de partida e de chegada num mar
que nunca é o mesmo...  Nem seus navegantes...
 



Na composição
de uma delicada tessitura de potência, de sonhos e de desejos, a poesia do
bordado dessas mãos traz à cena fios que, entrelaçados, teimosamente,
reinventam o viver.